O DIREITO NO BRASIL COLÔNIA - a partir do século XVII (expulsão dos holandeses) à implantação do Regime monárquico o em 1822.
LUIZ VIANA QUEIROZ
Desde a expulsão do holandeses, parece que na Colônia
se marcou uma tendência pronunciada e constante para a
independência, para a forma republicana de governo e para o regime
federativo1.
A guerra dos Emboabas, por exemplo, prometia prolongar-se quando a
Carta Regia de 3 de novembro de 1709 concedeu anistia ampla aos
combatentes e criou a Capitania de São Paulo e Minas independente da
do Rio de Janeiro. Para CARLOS MAXIMILIANO, descentralizar e perdoar
foram sempre, no Brasil, meios seguros de restabelecer a paz2.
Em uma território com a dimensão do Brasil, só a
autonomia das direções locais torna possível governos eficazes.
Portugal instituiu um poder central relativamente estável com órgãos
harmônicos entre si, a tudo semelhante ao presidencialismo dos
Estados Unidos da América do Norte: governo-geral; ouvidoria (com
diversos juizes e suas devidas atribuições), tribunais de justiça
e apelativos; provedores do dinheiro (erário) público, etc.. Mas os
abusos e a prepotência tornaram o convívio com os prepostos de
Lisboa insustentável. Exemplo disso está na cumulação de cargos
públicos – a Carta Regia de 6 de maio de 1623, o Alvará de 8 de
janeiro de 1627, o Decreto de 28 de julho de 1668, os Decretos de 21
de setembro de 1677 e 18 de julho de 1681, a Carta Regia de 6 de
agosto de 1682 e os Decretos de 3 de setembro de 1683, de 30 de março
de 1686, de 29 de fevereiro de 1688 e de 19 de novembro de 1701,
proibiam que a mesma pessoa tivesse mais de um oficio, ou emprego, e
vencesse mais de um ordenado. Continuaram, no entanto, as acumulações
remuneradas, pelos protegidos dos poderosos, que percebiam os
vencimentos de quatro e mais cargos púbicos3.
Como conhecemos bem, atualmente!
No século XVIII foram tomadas atitudes para dificultar
a libertação do Brasil. “Mataram-lhe a indústria” e tornaram o
comercio monopólio da metrópole. O Alvará de 5 de janeiro de 1785
proibia manufatura do ouro, da prata, seda, linho e lã. A cada ato
de força para jugular a independência econômica, reforçava-se o
ideal inconfidente4.
Estas medida abusivas da Corte portuguesa, como a anterior criação
das casas de fundição, a imposição de impostos (proibição da
produção da cachaça, a liberação para o corte de madeira nos
mangues, quinto, de entrada e saída, por capitação, as cem arrobas
de ouro anuais, etc.) colaboraram, para o surgimento de diversos
movimentos coloniais (separatistas ou não). As imposições legais
vindas de Portugal para garantir o controle sobre a sua colônia,
acabou provocando o contrário: a perda do controle sócio, político,
econômico, cultural, cotidiano. Os diversos processo inquisitoriais
provam que havia uma dinâmica própria dentro do território
português.
O surgimento da ideias iluministas e os movimentos
contra o antigo regime na Europa, desembocaram nas Revoluções
política, social e econômicas burguesas: Inglesa, Industrial,
Francesa e norte-americana. A elaboração das ideias, como, baseadas
nos direitos naturais dos homens promoveram o surgimento de uma nova
proposta para a sociedade. Estas mesmas ideias, iluministas –
liberais – burguesas, antiabsolutistas, chegaram ao Brasil e
influenciaram movimentos como a Inconfidência Mineira e Baiana, que
defendiam, entre outras mudanças: a industrialização, a abolição
da escravatura, a república, fim do monopólio comercial português
e, como consequência ...a Independência.
Napoleão Bonaparte transformou essa história,
acelerando o processo de independência do Brasil, obrigando o
traslado para o Brasil da Corte de D. João VI. Em 28 de janeiro de
1808 os portos foram abertos às nações amigas – para a mais
amiga delas, a inglesa, é verdade, mas isso firmou a emancipação
comercial do Brasil. Decreto de 1º de abril de 1808 revogou aquele
Alvará de 5 de janeiro de 1785, liberando a manufatura de ouro,
prata, seda, algodão, linho e lã. Com a chegada da Família real
foi fundada a Impressão regia, tipografia da Gazeta do Rio, jornal
oficial, embrião do jornalismo brasileiro, que demonstra que nossa
imprensa sempre esteve de mãos dadas, ou quem sabe atacadas, com o
Governo. Foi montada uma fábrica de pólvora, incentivada a extração
de minérios, mormente de ferro. Em 23 de novembro de 1816 o comercio
de cabotagem tornou-se monopólio dos brasileiro – exclusividade
que se justificava por sua relevância para a economia e para a
segurança. Tal monopólio caiu na recente Emenda Constitucional nº7,
de 15 de agosto de 1995. Os interesses da economia e da segurança
nacionais mudaram muito em nossos tempos de globalização
imperialista5.
Iniciou-se novo modelo de colonização, tornando o
imigrante estrangeiro proprietário da terra, com o que se fundou
Nova Friburgo no Rio de Janeiro6.
O Alvará de 12 de outubro de 1808 criou o primeiro
banco nacional com a faculdade de emitir papel moeda de curso
forçado7.
(Depois da doação dos bancos estaduais para as instituições
financeiras internacionais e nacionais, em breve veremos sucumbir o
Banco do Brasil.)
Em 22 de dezembro de 1815 foi assinado com a Inglaterra
tratado internacional que limitou o tráfico negreiro. A Carta regia
de 16 de dezembro do mesmo ano elevou o Brasil à categoria de reino,
juntamente com Portugal e Algarves8.
Nos setes seguintes anos os eventos se sucederam até a
independência, em 1822, e a Constituição do Império, em 1824.
Em 24 de agosto de 1820, estourou a revolta dos
portugueses na Cidade do Porto, exigindo que as Cortes se reunissem e
que se tornasse constitucional a monarquia. O Pará aderiu logo e
jurou a Constituição que a assembleia portuguesa aprovasse, sendo
seguido pela Bahia. Pretendeu D. João conceder reformas parciais e
mandar seu filho Pedro a Portugal. Amotinou-se o povo brasileiro no
Largo do Rocio, hoje Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, em 24 de
fevereiro de 1821. Em nome do pai perguntou o Príncipe à multidão
o que queria. Informado, voltou ao Palácio real de São Cristóvão,
de onde regressou ao largo do Rocio, mostrando, exultante, o decreto
assinado pelo rei que aprovava a Constituição que se fizesse em
Portugal, e a tornava extensiva ao Brasil. Estava deflagrado um
movimento incontrolável. Logo depois recomeçou a agitação
liberal, clamando, inclusive, por república. O rei, sem apoio e sem
pulso, regressou a Portugal. Novos motins explodiram no Rio de
Janeiro e forçaram-no a adotar a Constituição espanhola de 1812,
até que se elaborasse a portuguesa. A 22 de abril de 1821 D. Pedro
foi nomeado Regente do Brasil e a 26 do mês corrente a família real
embarcou para Lisboa.
O Príncipe Regente mandou confeccionar o orçamento
da receita e despesa, a primeira vez que isso se fazia no Brasil, e
isentou de ônus tributário o comercio das províncias de uma com a
outras,
embrião da imunidade recíproca dos entes federativos.
Decreto de 19 de maio de 1821 proibiu que os fiscais
tomassem aos particulares os objetos de que careciam, sem prévio
acordo com eles, nem garantias de pagamento, gênese da
desapropriação mediante justo preço. Outro decreto no mesmo dia
firmou a liberdade de venda e providenciou o pagamento pontual
àqueles que cedem de boa vontade os que fosse necessário ao serviço
público.. Nossos
administradores precisavam ouvir a voz do Príncipe Regente e dela
não se esquecer.
Foi abolida a censura à imprensa, pelo Decreto de 23 de
maio de 1821. Proibiram-se, através do Decreto do mesmo dia, as
prisões sem mandado do juiz criminal da comarca, salvo caso de
flagrante delito.
A pressa liberal do Regente, no entanto, não foi capaz
de conter a vontade régia. No mês de junho chegaram notícias
contraditórias: haviam sido juradas em Lisboa as bases da
Constituição, mas a Lei de 24 de abril de 1821 fracionava o
aparelho administrativo brasileiro, tornando todos os governos
provinciais independentes do que se exercia sob as ordens de D.
Pedro, e sujeitos somente aos tribunais e autoridades de Portugal.
Dois decretos de 29 de setembro do mesmo ano suprimiram os tribunais
do Rio de Janeiro e ordenaram ao Príncipe Regente que fosse
aprimorar sua educação na França, Espanha e Inglaterra. Era
demais! A indignação tomou conta dos brasileiros!
Oito mil assinaturas, número estonteante para a época,
se considerarmos o número percentualmente pequeno de alfabetizados,
prestigiaram a representação burilada por Frei Francisco de
Sampaio: “o navio que reconduzisse o Príncipe real, apareceria no
Tejo com o pavilhão da independência do Brasil”. A ameaça foi o
proto grito do Ipiranga!
A 9 de janeiro de 1822 aquela representação foi
entregue ao Regente, que entre o chamado do rei e o do povo, resolveu
ficar!
A 16 de fevereiro de 1822 o Príncipe convocou os
procuradores das Províncias para o auxiliar e aconselhar. Era pouco.
Queriam todos uma constituição luso-brasileira, inclusive as
Câmaras e seus procuradores. Acedeu o Príncipe, e convocou uma
assembleia, em 3 de junho de 1822, com nítida feição
revolucionária. Foram inúmeros os atos baixados por Portugal para
evitar a marcha dos acontecimentos, todos rechaçados pelo Regente.
Até a explosão do 7 de setembro, à margem do Rio Ipiranga, ao
receber decretos reais que revogavam a convocação dos procuradores
gerais. Era tarde
demais. Diz-se que Pedro, naquele local, teria arrancado do chapéu
os distintivos de sua nacionalidade portuguesa e lançado o já
mitológico independência ou morte. Em 3 de maio de 1823 instalou-se
a Assembleias Nacional Constituinte, que, infelizmente, foi cercada
pelo mesmo orador do Ipiranga com tropas militares e por ele
dissolvida, para outorgar nossa Constituição Imperial de 1824, a
primeira, que resultou de um ato de força e não de um ato
consensual.
Parece que a atitude do Regente marcou a memória
brasileira para sempre. São incontáveis os políticos de nossa
terra que, dizendo-se liberais e democratas, fecharam o Congresso,
exilaram adversários, fecharam partidos políticos, e, mais
recentemente, invadiram campus universitários e bateram em
professores e estudantes desarmados.
Em todos esse episódio de força, o direito sucumbiu à
espada. ão houve ruptura do regime colonial, que sobreviveu com o
absolutismo do regime imperial, com a legislação arcaica, com a
relativa imobilidade administrativa, com a alienação das elites,
com a fragilidade da conjuntura e a estabilidade da estrutura,
imutável e incapaz de atender às necessidades nacionais. O período
colonial e sua sobrevivência determinaram todo o subdesenvolvimento
posterior.
Na Colônia o direito esteve a serviço do
empreendimento monopolista e mercantilista da Metrópole. Na esfera
pública: seja na regulamentação da distribuição das terras e da
legitimação da escravidão, seja na organização administrativa do
serviço público, concentrando todo o poder nas mãos do rei e de
seus delegados; e, na esfera particular, manteve a estrutura
hierarquizada da família e das relações pessoais portuguesas que
estavam lastreadas no direito romano ou no direito canônico, fazendo
o senhor de engenho um verdadeiro morgado (senhor poderoso). O
direito servia, portanto, para concentrar o poder público no rei e o
poder privado nos senhores do açúcar.
Com esse quadro talvez possamos entender um pouco mais a
invisível presença do jurídico na vida das pessoas que habitavam
a terra brasílica no período colonial. O justo ou o injusto, o
lícito ou o ilícito, resultaram de uma estrutura produtiva
específica e sua consequente configuração social.
http//www.unifacs.br
Aula legal sobre o Direito no Brasil colonial:
http://www.youtube.com/watch?v=Sj78YLHdlPQ
1
MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira.
2a ed., Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos,
1923, p.10.
Nenhum comentário:
Postar um comentário