quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O Direito no Brasil Imperial


DIREITO NO BRASIL IMPERIAL (1822 a 1889)

Brasil Independente
Proclamada a Independência de 1822, o Brasil passaria a enfrentar, entre outros graves problemas, o da sua estruturação jurídica. Tarefa das mais difíceis, sem dúvida, que não poderia ser realizada de uma hora para outra, não obstante o regime de urgência que se lhe impunha. Por isso, enquanto se aguardava a concretização de tão alto empreendimento, continuariam em vigor a legislação vigente em 1821 e as leis promulgadas por D. Pedro dessa data em diante.
SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA JUSTIÇA
23 de agosto de 1821 – 30 de outubro de 1891

No contexto da Revolução Liberal Constitucionalista, iniciada na cidade do Porto em 24 de agosto de 1820, a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça surgiu no âmbito das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Foi instituída pela lei de 23 de agosto de 1821, que estabeleceu um órgão congênere em Portugal, a partir do desmembramento dos negócios que antes estavam sob a competência da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. No Brasil, a disposição das Cortes foi confirmada durante a regência do príncipe d. Pedro, pelo decreto de 3 de julho de 1822, reafirmando a intenção original da lei aprovada em Portugal de facilitar o expediente “dos multiplicados negócios que pesam sobre a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino” .Eram atribuições suas todos os objetos de justiça civil e criminal, os negócios eclesiásticos, a expedição das nomeações de todos os lugares da magistratura, ofícios e empregos sob sua jurisdição, a inspeção das prisões e tudo quanto fosse relativo à segurança pública, bem como a promulgação de todas as leis, decretos, resoluções e demais ordens sobre assuntos de sua alçada, sua comunicação às esferas competentes e sua fiscalização .

Já em 1823, como conseqüência das primeiras medidas no sentido de dotar o novo sistema de leis próprias, era convocada a Assembléia Constituinte. E logo se tratou ali da elaboração de um Projeto de Constituição, figurando um dos Andradas – Antônio Carlos – como seu principal redator.
Composto de 272 artigos, eis como se orientou o Projeto de 1823 em seus princípios fundamentais:
a) Monarquia constitucional e representativa;
b) Liberdades e garantias constitucionais, compreendendo liberdade de pensamento e locomoção, liberdade individual e religiosa, liberdade de imprensa, inviolabilidade da propriedade;
c) Divisão dos poderes em Executivo (exercido pelo Imperador com o auxílio de um Ministério e um Conselho Privado), Legislativo (exercido em conjunto pelo Imperador e pela Assembléia Geral, esta formada da Câmara dos Deputados e do Senado), Judiciário (exercido por “juízes letrados” e jurados, estes com interferência em matéria crimina

A Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, durante todo o Império, teve como sede a antiga residência do Conde da Barca, situada na Rua do Passeio, 42, prédio comprado de seus herdeiros por d. João VI e onde esteve em atividade a oficina da Impressão Régia.
Seu primeiro ministro e secretário de Estado foi Caetano Pinto de Miranda Montenegro, mais tarde marquês da Vila Real da Praia Grande, doutor em direito pela Universidade de Coimbra e dono de ampla experiência administrativa, tendo governado diferentes capitanias ainda no período colonial. No entanto, as medidas aprovadas por Montenegro à frente da Secretaria de Justiça foram “meramente formais”,estando o ministério naquele momento impossibilitado de aprovar reformas estruturais de grande impacto e limitado a “resolver casos surgidos nos processos administrativos ou judiciários, ou então intervindo na ação das autoridades religiosas” (Lacombe; Tapajós, 1986, p. 103). Ainda que constituísse um país independente de Portugal, diante da falta de normas jurídicas próprias ficava estabelecido pela lei de 20 de outubro de 1823, da Assembleia Constituinte, que se mantinha em vigor a legislação pela qual se regia o Brasil até 25 de abril de 1821, bem como as leis promulgadas durante a regência de d. Pedro e os decretos das Cortes Portuguesas que foram especificados. Este ato restringiu o papel da secretaria, nos anos iniciais do Império, ao de mero intérprete da legislação existente.

Constituição de 1824
Marcado por um clima natural de divergências e discussões, o Projeto Antônio Carlos começava a ser debatido, quando D. Pedro, a pretexto de serenar os ânimos, tomou uma medida drástica e dissolveu a Constituinte.
Não se diga, porém, que o Imperador se valia apenas de um mero pretexto para conter os anseios liberais e impor sua vontade mais autoritária. Por certo, outras razões influíram no seu comportamento, quer por convicção própria, quer por incentivo de membros da cúpula governista. Vicente Barreto, como razão fundamental, “que acabaria por separar definitivamente os constituintes do Imperador”, aponta a que “residia na origem da autoridade legislativa e da autoridade executiva”, esclarecendo: “Encontramos reiteradas vezes no diário da Constituinte este ponto conflitante. Existe mesmo uma certa inadaptabilidade conceitual à necessidade de conciliar essas duas idéias, que se afiguravam para o radicalismo como conflitantes. O trabalho dos constituintes, como representantes da nação, estaria sendo limitado pela presença do poder imperial, que avocava o direito de julgar a dignidade ou não da Constituição”. Até mesmo o direito de veto do Imperador – e teria sido também causa preponderante para precipitar os acontecime
ntos de 12 de novembro de 1823 – encontrou forte resistência no seio da Assembléia Constituinte.
Mas, de qualquer maneira, tendo D. Pedro nomeado a chamada Comissão dos Dez para elaborar novo Projeto de Constituição, sob a promessa de submetê-lo ao Legislativo, não houve por bem dar cumprimento a essa promessa. Assim, em 25 de março de 1824, sem qualquer consulta ao referido órgão, D. Pedro promulgava a primeira Carta Magna do Brasil independente. Tratava-se, pois, de uma Constituição outorgada, com 179 artigos.
A constituição do Império, muito embora buscasse no Projeto Antônio Carlos um de seus modelos, deste, porém, se afastou em pontos essenciais, a saber:
a) criação do Poder Moderador, exercido pelo Imperador;
b) criação do Conselho de Estado, sendo seus membros nomeados pelo Imperador;
c) faculdade do Imperador de dissolver o Congresso;
d) concessão de maior soma de poderes ao Imperador e ao Senado, em detrimento da Câmara dos Deputados.
Além disso, os poderes da nação ficaram divididos em quatro ramos: primeiro, Poder Moderador, e, segundo, Poder Executivo, exercidos pelo Imperador; terceiro, Poder Legislativo, composto da Câmara dos Deputados (eletiva e temporária) e do Senado (de nomeação do Imperador e vitalício); quarto, Poder Judiciário, formado de jurados, juízes singulares e tribunais.


No âmbito das províncias, o referido diploma constitucional estabeleceu que o Executivo ficaria sob a chefia de um Presidente nomeado pelo Imperador. E o Legislativo se faria representar por um Conselho Geral eleito, cujas deliberações tomadas em forma de projetos de lei, teriam de ser encaminhadas à Assembléia Geral para apreciação.
Na área municipal, a administração seria exercida pela câmara, assumindo a chefia do Executivo o vereador mais votado.
Em suma, a constituição de 1824, impregnada de um centralismo bastante acentuado, investia o Imperador de poderes que o colocavam à frente de um governo de caráter absolutista. João Camilo de Oliveira Torres, porém, faz esta ressalva: “Quando lemos nos velhos autores referências aos sentimentos absolutistas de D. Pedro I, devemos entender isso como, apenas, a recusa em aceitar o sistema parlamentarista”. É verdade que o primeiro reinado se caracterizou por uma monarquia presidencialista, na qual o Imperador nomeava e demitia livremente seus ministros. Mas não estaria por certo no fato apontado pelo historiador mineiro o pretexto que levou D. Pedro a dissolver a Constituinte. Note-se que, pelo Projeto de 1823, como bem acentua Otávio Tarquínio de Souza, “se alguma novidade havia propriamente na organização constitucional proposta estaria em ter o imperador a delegação do Poder Executivo, num presidencialismo norte-americano que fosse vitalício e com presidente inviolável e sagrado”.
Após a outorga da Constituição de 1824, a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça teria suas atribuições aumentadas, acumulando funções que caberiam ao Poder Judiciário caso o texto da Carta, consoante com a “moderna doutrina constitucional de separação dos poderes”, estipulasse a efetiva independência desse poder, o que acabou não acontecendo. Dessa forma, durante todo o Império, a atuação do Judiciário foi limitada por uma excessiva dependência em relação ao Ministério da Justiça e ao Executivo de maneira geral, institucionalizada pela Carta de 1824, que não garantia a vitaliciedade e a irredutibilidade dos vencimentos dos magistrados, além de negar sua inamovibilidade, conferindo ainda à Assemblei Geral ( a partir de 1824) as atribuições de fazer, interpretar, suspender e revogar leis. Isto, ao lado da prática recorrente do Executivo de questionar as decisões do Judiciário, chegando mesmo a forçar sua modificação punindo magistrado, inviabilizava a constituição do Judiciário enquanto poder autônomo. Ao que foi dito, precisamos acrescentar que a prerrogativa de interpretar as leis conferida ao Legislativo pela Constituição não foi, durante todo o Império, praticada de fato por este poder, sendo, então, “absorvida pelo Executivo”, OU SEJA , SOB O COMANDO QUASE ABSOLUTISTA DO Imperador, conselheiros e ministros.

Abdicação de D. Pedro 

Não estava longe a mudança de rumos na política imperial. E esta, de fato, se precipitaria em conseqüência das hostilidades que o governo vinha enfrentando da parte de grupos ou facções, bem como do propósito que D. Pedro I acalentava de assumir o trono em Portugal. Eram, sem dúvida, dois fortes argumentos (ou pretextos), talvez o segundo mais do que o primeiro, para que o Imperador, ao seu jeito de homem impulsivo e voluntarioso, assinasse, a 7 de abril de 1831, o seguinte decreto: “Usando do direito que a Constituição me confere, declaro que hei mui voluntariamente abdicado na pessoa do meu muito amado e prezado filho, o senhor Dom Pedro de Alcântara.” Mesmo porque, falecendo D. João VI em 1826 e assumindo a regência D. Isabel Maria, houve por aclamar D. Pedro I rei de Portugal.
Com a abdicação e em virtude da menoridade do sucessor, assume o poder a Regência Trina Provisória. Em seguida, convocada a Assembléia Geral, é eleita a Regência Trina Permanente.

Ato Adicional de 1834
Em 1832, começa a ser voltada para a Reforma da Constituição, do que resulta a lei de 1834, conhecida por Ato Adicional, cujas principais inovações consistiram no seguinte:
a) substituição da Regência Trina pela Regência Una;
b) supressão da vitaliciedade dos membros do Senado;
c) supressão do Conselho de Estado;
d)transformação dos Conselhos Gerais das Províncias em Assembléias Legislativas e competência destas para legislar.
A este respeito, observa Pedro Calmon: “O Ato Adicional de 1834 atenuou o unitarismo da Constituição, admitindo que as províncias tivessem as suas assembléias legislativas, o seu tesouro próprio, a sua justiça municipal. Transigiu assim com as tendências de descentralização que eram inerentes à evolução, à história e à geografia do Brasil. Só não se estabeleceu então o federalismo (máxima autonomia providencial, como nos Estados Unidos) porque se considerava que seria isso contrariar a doutrina da soberania una e indivisível – dizia-se – com a soberania regional, da mesma forma porque a federação era inconciliável com a monarquia parlamentar”.
Na verdade, pretendeu-se atenuar os efeitos de uma administração por demais centralizada, como a quis e impôs D. Pedro I. E houve resultados satisfatórios. Não se conseguiu, porém, extinguir o Poder Moderador. O próprio Conselho de Estado foi posteriormente restabelecido pela Lei Interpretativado Ato Adcional de1824.
Codificação das Leis Ordinárias
E o que dizer do processo de codificação das leis ordinárias no período imperial?
 
1. Código criminal
O Código Criminal do Império é baseado em ideias (digamos liberais) que ressalta o princípio de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. E, orientado em tal sentido, o Código de 1830 manteve-se fiel ao princípio da proporcionalidade entre o crime e a pena, bem como ao que tomou a pena como exclusividade do condenado e, portanto, só a ele endereçada. É importante ressaltar o crescimento dopoder do Juiz de paz,nomeadopela população (boa sociedade) local. Mas, houve falhas no código, uma das mais gritantes, sem dúvida, diz respeito à modalidade de crime culposo, não prevista em qualquer de seus dispositivos. Desse modo, ficavam isentos de sanção os que, por imprudência, imperícia ou negligência, atentassem contra a integridade física de outrem.
Somente em 1871, porém, pela Lei nº 2.033, o crime culposo passou a ser regulamentado.
2. Código do Processo criminal
Com o Código de 1832, suprimia-se o sistema inquisitório do Livro V das Ordenações Filipinas. Esse Código, na verdade, quase nada aproveitou da legislação anterior, inspirando-se antes de tudo nos modelos inglês e francês: com processo de julgamento, arrolando testemunhas, o "Habeas Corpus", obedecendo os preceito do liberalismo, etc. Porém, mantendo alguns aspectos de julgamento inquisitorial francês.
O Código de Processo Criminal do Império acolheu o princípio contido na sentença do jurisconsulto romano Paulo: “Incumbit probatio, qui dicit non qui negat”. Desse modo, inaugurava-se um período de reação às leis opressoras e monstruosas da monarquia portuguesa (torturas durante oprocesso inquisitorial), e do qual o Código, constitui o diploma legal culminante e mais expressivo, síntese que é dos anseios humanitários e liberais  do século XVIII.


3. Código Comercial
O ciclo das grandes codificações do Império se encerra com a legislação comercial de 1850. Regulamentavaaçõessobreo comércio marítimo,comércioemgeral,etc.
O Direito no período imperial brasileiro aparece como vanguarda no âmbito constitucional-jurídico brasileiro, pois é ele que abarca a elaboração da nossa primeira Carta Magna. Tal fato é de fundamental importância para a implementação do Estado de Direito brasileiro, com base em uma Carta Maior, salvaguarda dos direitos humanos e da organização estatal racional.
Em contrapartida, o projeto de um Código Civil brasileiro só vem a ser concretizado em 1916, não impedindo a coroação dos Códigos Comercial e Criminal, primados pela técnica infalível de conspícuos juristas nacionais, o que nos permite alcunhar o Direito Imperial como ponto inicial do processo jurídico brasileiro moderno.


A Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça a partir da aprovação do novo Codigo do Processo criminal de1832, passou por diversas mudanças, sem contudo mudar o seu conteúdo básico, desde a sua criação em 1823. Porém, perdeu a sua força a partir da centralização do poder durante o Primeiro Reinado e  ao longo do Segundo Reinado.
Ela foi formalmente extinta pelo decreto de 30 de outubro de 1891, que, em razão da mudança para o regime político republicano.

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